PRIMEIRO
DE JANEIRO
O primeiro de
janeiro é, definitivamente, o dia mais deprimente do ano; o primeiro de janeiro
devia deixar de ser o número um, a casa de partida, o ponto de largada para
novos trezentos e sessenta e cinco dias de velhos hábitos e padrões parasitados
nas mentes humanas. Designe-se e registe-se em agenda– com todos os trâmites
oficiais- o reveillon para o primeiro de janeiro: comece-se a pompa (sim, não
se aniquile a tradição) no último de dezembro, e prolongue-se a circunstância por
mais vinte e quatro horas. E depois sim: o segundo de janeiro para desintoxicar
o corpo, reinventar o espirito e reanimar a alma. Era mais honesto, mais saudável,
e provocava menos azia ao ter de ir trabalhar ou ir para a escola nas primeiras
horas, do segundo dia, do novo ano. Caramba, lembro-me bem como era penoso
regressar às aulas depois das férias do Natal, e começar a classe de Português
com: as Janeiras.
Acontece que uma
noite dos diabos termina onde começa o diabo de um dia; encerra-se a festa de
Deus, e inicia-se a boda do demónio: o rabudo, enquanto amassava o pão, chegou
a acordo- sem cláusula de rescisão- com O que manda nisto tudo, para ele,
também ele, ter uma celebração própria: “tu, Deus, ficas com o 25 de dezembro,
com a Páscoa no dia em que calhar, e eu aguento-me com o primeiro dia de cada ano.
Estás a topar a cena, ou não? Assim dito logo as regras, com a ajuda preciosa
dos meus compagnons das maçonarias. Cenas
do demo, está a ver?”. E pronto: diabolicamente, os governos colocam em prática
as primeiras mafarriquices do ano (em nome da Troika, dos bancos, e da Comissão
Europeia. Crise ao alto. Ela foi posta no meio de nós); os telejornais
colocam-se a jeito para dar abertura aos primeiros acidentes: “boa noite. Sete
mortos e vinte e dois feridos são, para já, os números da Operação Ano Novo”; e
as pessoas até dizem “bom Ano” com um sorriso para, no dia seguinte, se for
preciso, serem as primeiras a buzinar no trânsito ou a discutirem no local de
trabalho. O primeiro de janeiro é o dia dos que gostam de estar bem com Deus e
com o Diabo; o dia dos tipos que gostam de viver no nim: são os nimbecis: nim
são carne, nim são peixe. Os mesmos que inventaram o dia de Reis: “bem, está
visto que o Natal não volta mesmo, e já festejamos um fim de um ano para dar as
boas vindas a um outro ano que –dizem eles- vai ser quarenta mil vezes pior.
Olha, por que é que não arranja aí um dia para os Reis Magos? É isso: o dia dos
Reis!”.
Por isso, meus
amigos: eu quero é que o primeiro de janeiro se lixe; eu quero é que o primeiro
de janeiro vá apanhar sabonetes do chão. O primeiro de janeiro é aquilo com que
rima: foleiro (e outros quejandos terminados em -eiro). Curtir o primeiro de janeiro é ser
carneiro: andar atrás do rebanho para não ficar a pastar sozinho.
RUI MIGUEL MENDONÇA
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