Avançar para o conteúdo principal

OBRIGADO, DESIGUALMENTE!


 
                                     OBRIGADO, DESIGUALMENTE!
 

 E viva as festas. E os jantares de empresa. E os abraços. E os braços dados. E os beijos feitos. E gritem-se os Felizes Natais, e outros desejos que tais. E proclame-se, como diz o povo, um próspero Ano Novo. E ouçam-se, de orelhas arrebitadas, os “obrigado, igualmente”, daqueles que são ditos – e escritos- a seco, em menos de cinco segundos, só porque tem de ser, só porque é de boa eduação responder qualquer coisa quando alguém te deseja…alguma coisa simpática. “Obrigado, igualmente” é o lema dos despachantes, dos “despacha lá isso, que já estou cheio de te ouvir”; reparem nas diferenças de velocidade que distanciam um “Feliz Natal” de um “obrigado, igualmente!”. Então: de um “Feliz Natal” ao “muito obrigado. Feliz Natal também para si e para os seus” vão cerca de dez segundos. De um “ Feliz Natal” ao “obrigado, igualmente” vão pouco mais do que dois. Dois segundos de vida. Dois segundos de não vida. Dois segundos de “estou a marimbar-me para o Natal, ou para o que tudo me desejas”. Dois segundos de “não tenho paciência para estas merdas”. Dois segundos que, nalguns casos -um pouco mais raros, é um facto-, que podem ser reduzidos a um segundo: “Feliz Natal”. “Igualmente!”.  

 O “obrigado, igualmente” cria desigualdades tremendas nas relações humanas - é o mesmo efeito que o “agradecido “(assim, sem mais nada) tem, na resposta a uma mensagem de aniversário.  O “obrigado, igualmente” trava uma luta desigual entre quem exprime  a vontade –sincera, do coração, ou manifestada de acordo com o protocolo da época- de um feliz Natal, e um recetor que está em modo off com esta realidade: é a pessoa que sente que a mais não é obrigada do que dizer “obrigado, igualmente!”.

 Um “obrigado, desigualmente!” tornaria tudo mais sincero, daria um aspeto transparente a esta comunicação plastificada. Agradeces, mas não és capaz de desejar um feliz Natal em igualdade de direitos. Se disseres “igualmente”, estás a desejar a tristeza que podes estar a sentir nesse momento, ou a desafeição com que encaras esta altura do ano. E essa desafeição pode estar ligada à fonte primordial de um outro qualquer “des”: desamor, desemprego, desacreditar, despesas (extremas), desdéns, despedimentos ou, simplesmente, por veres nisto tudo uma cena altamente (des) intelectual. Mas olha: desdramatiza. Obrigado, desigualmente: deseja ainda mais e melhor do aquilo que te estão a desejar. Entra na onda: distribui SMS, enche de Natal a cronologia do Facebook, vê o “Home Alone”, canta o “All I Want for Christmas Is You”. Aproveita a simpatia generalizada. Não é todos os dias que podes sorrir sem que te questionem os motivos. Sorris, logo existes! Existes porque não estás a pensar: estás a viver!

RUI MIGUEL MENDONÇA


Comentários

Mensagens populares deste blogue

NÃO PÁRA, SIGLA, SIGLA!

NÃO PÁRA, SIGLA, SIGLA!   Sigla por aqui! Por aqui é o caminho, ou deverei dizer: sigla até ao atalho, abrevie o seu esforço, e uma sensação de agilidade garanta, tanto nos dedos (poupa na escrita) como na garganta (poupa na fala); seja como for, poupa e poupa mesmo, e este plano de poupança é infalível, sem juros, entradas, TAEG´s, TAN´s, ou essas tangas que deixam um tipo, verdadeiramente, de tanga.   A siglar é que tanta gente se entende hoje em dia. No fabuloso mundo ocidental os DPF´s, os DO´s, os DRH´S, os CA´s , os CO´s ou os CU´s   , embelezam as portas dos gabinetes, e dão pompa aos organigramas estampados em vitrines. Até as casas de banho são sigladas com um espampanante WC e raramente, ou quase nunca, assinaladas como lavabos ou, simplesmente, com o que elas realmente são: casas de banho.   Tudo o que não seja comunicar em formato reduzido já se torna estranho, quase um léxico extraterrestre. Ora como sempre gostei da pinta do ET (cá está, sigla)...

TU É QUE SABES!

  Tu é que sabes! Tu é que sabes é capaz de ser das coisas mais mesquinhas e cobardolas que se pode dizer a alguém. No mínimo, é atitude que pode potenciar o recurso, no imediato, a dois ou três Valdisperts dirigidos aos neurónios do interlocutor.   Então: temos a pessoa que pergunta a outrem uma opinião sobre determinado assunto; mas uma opinião do género: “achas que a gravata está direita? “. Depois, surge a resposta: pronta, seca e arrogantemente desferida - “tu é que sabes!”. Caramba! Eu é que sei? Então mas se perguntei,   é porque não sei, certo? Qual é a parte do “o que é que achas …?” que não deu para perceber?   No mundo do trabalho, onde Pilatos continua a lavar as mãos, o “tu é que sabes” tornou-se num paradigma. Tudo a bem da sobrevivência e da autoprotecção. A postura de “só sei que nada sei” poderia, à partida, ganhar uma perspectiva tremendamente socrática. Falo do Sócrates, o genuíno, que dizia que a sua sabedoria era limitada à sua própria ignor...