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VIBRAÇÕES
O telemóvel não pára; o telemóvel nunca pára; o telemóvel
devia parar. Ele bem tenta mudar o toque, semanalmente, no mínimo, para tentar variar. Mas não dá:
continua a tocar...invariavelmente. Sim, claro, há sempre a opção silêncio; mas, mesmo assim,
lá está ela a olhar para ele, com sorriso sarcástico e pseudo-vitorioso: a “chamada
não identificada”. A chamada que ele identifica como indesejada. Quer dizer,
ele imagina quem seja; e é, de certeza, quem ele não quer que seja. O tipo do
banco a vender um cartão de crédito sem custos; uma editora a propor a
assinatura anual de uma parafernália de revistas, em troca de um fim de semana,
para duas pessoas, pequeno-almoço incluído, numa rede hoteleira na Madeira,
Açores, Lisboa ou Algarve. “O que é que acha, senhor fulano de tal. É bom, não
é?”. Espera aí! Então pergunta e dá logo a resposta? Mas isto faz algum
sentido? “Senhor sicrano, pode disponibilizar-me um tempinho?” E o que é que um
gajo vai dizer? Um sim, mas com três esses atrás, que podiam significar
qualquer coisa do género: Sim Senhor Sarna.
Dois minutos de pausa…
Paz….
Respira uma vez…
E depois outra…
E, novamente, a vibração maldita, com número desconhecido.
Vrrrrruuuuuuuuuummmmm.
Vrruuuuuuuuuuuuuuummm.
Vrrrruuuuuuuuuuuuummm.
Vibrações de
horror, vindas de esconsos lugares habitados por seres que se alapam a quem se
atrever a carregar na tecla verde.
Obrigadinho, oh Martin Cooper! Não sei quem é que te disse que as pessoas
deviam utilizar telefones não só em casa ou no carro mas também na rua…Obrigadinho!
É que, na defunta era analógica, na
altura do telefone com rodinha para discar os números, dava para controlar
situações como estas.
Vrrrrruuuuuuuuuummmmm.
Vrruuuuuuuuuuuuuuummm
E continua…
Se calhar é aquele tipo que ele teve a infelicidade de
atender, no outro dia, e passou uma hora ao telefone. E as únicas palavras que
conseguiu proferir foram: “Estou”; “tudo bem, e tu? e “um abraço, um abraço.Tchau!”.
Mensagem. O chato
deixou uma mensagem. Ora então, menú, mensagens recebidas, e…
Não, não pode ser. Os olhos dele não acreditam no que
lêem; não querem acreditar; não podem acreditar. Pânico, sufoco, desespero. Era
a mulher. A mulher que ele mais quer, a mulher com quem ele sonha estar há anos.
Era a oportunidade, que esteve ali, durante tanto tempo, nas mãos dele. Foi-se!
“Olá, tudo bem? Passei o dia em Lisboa, e tentei
ligar-te. Não atendeste, paciência! Queria, simplesmente, dizer-te que sim.
Gosto de ti, e tenho sentimentos por ti. Queria dizer-to, olhos nos olhos.
Enfim. Vou, agora, de regresso para Copenhaga. Fica bem. Até um dia!”
RUI MIGUEL MENDONÇA
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