Este texto foi escrito por Ricardo Falcão, guitarrista e compositor da banda portuguesa "Forgotten Suns". Uma reflexão, comovente e inspiradora, sobre a vida e os seus paradoxos.
“Obrigado por tudo”
O Universo desenha curiosos trajectos para as nossas vidas.
Sinuosos, coloridos, trágicos ou de ascenção...uma viagem com bilhete de ida assegurado e de destino incerto.
Incerto da nossa perspectiva humana, somos frágeis e inteligentes mas damos tiros nos pés com
muita facilidade. Constato que ainda somos demasiado dependentes de uma herança escrita
tendenciosamente manipuladora ou de histéricas ficções colectivas para regermos as nossas vidas,
fabulando sobre o que nos espera após o derradeiro passo: um perfeito Céu ou um escaldante
Inferno, ambos à nossa espera de acordo com os pecados ou boas acções que praticámos
diariamente. Ou então ainda, uma visão menos 'romântica' em que nada existe para além da matéria
e apenas nos desligamos como um botão on-off, sem consequência metafísica.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Eu prefiro acreditar numa Força Universal, uma Mãe Natureza que rege os nossos destinos com a
certeza de um imbatível jogador de xadrez, antecipando o xeque-mate em anos e anos de jogadas
perfeitas muito à frente do seu “adversário”: o Homem. Este vive apenas no presente somente
caminhando um passo de cada vez, apoiado na experiência do passado vivido e comprovado e com
a qual este Pai Criador se deleita na observação, já conhecendo de cor o misterioso resultado final.
No entanto, nem todos ignoram esta Força Universal...a vida é apenas uma passagem, quando
morremos fisicamente voltamos em espírito para essa Luz, esse é o Destino de todas as nossas
almas. Dificilmente me convencerão que não estamos aqui por um motivo, uma missão, uma
aprendizagem, um caminho que tem de ser experiênciado. Nobres aqueles que deixam uma história,
pobres aqueles que em nada acreditam.
Está em cada um nós uma centelha desse Universo magnânime, sermos capazes de o sentir,
compreender, aceitar e o interiorizar depende do estágio da evolução da nossa alma, do nosso
espiríto. Respeito todas a visões, todas as crenças, mesmo aquelas com pouco sentido. Respeito a
liberdade de cada um, é meio caminho para ser feliz comigo mesmo!
O Universo orienta-nos mas somos nós que fazemos a caminhada.
Como um pai assertivo, dá-nos “uma no cravo e outra na ferradura”. É a lei da vida.
Hoje escrevo curiosamente em português porque não estou a compor uma letra de música) inspirado
pela ironia dessa lei.
Num curto espaço de tempo, fui, e ainda estou a ser, confrontado pela dádiva e pela perda de entes
familiares queridos. Que não haja dúvida: tudo me remete para uma reflexão sobre a existência
humana, é praticamente impossível não dissertar, só se fosse uma máquina friamente programada
com todas as respostas, anti-pontos de interrogação.
Fui agraciado com uma bela menina: perfeita, 3,450kg, 48 cms no dia 15 de Outubro, como é
perfeita a balança da Natureza! Ser pai é algo que estou a começar a saborear, cada dia traz uma novidade bonita de viver e dá um sentido mais vincado a tudo o que já fazíamos e ainda queremos vir a concretizar. Torna-nos mais
objectivos, mais abertos às emoções, mais selectivos e menos supérfluos.
Fui, em modo contrário, surpreendido pelo desaparecimento natural da minha querida avó materna
a 12 de Novembro. Esperou, já fisicamente inconsciente, por todos nós para um ultimo adeus.
Deixou-nos às 04:10 da madrugada e dirigiu-se para o tal destino incerto.
Não existe antídoto para o sofrimento de perder alguém para o eterno sono.
Tamanha discrepância emocional faz-me pensar no sentido da vida, no sentido que damos às nossas
relações, no esforço, no empenho, na qualidade, no retorno que obtemos de tudo em que investimos,
no seu estilo e na sua forma.
A vida é curta, é um facto, mas pode ser recheada de ligações e curiosidades ou insipidamente
vazia.
O que fazemos dela é vital para sermos recordados pelos nossos que por cá ficarão para contar a
nossa história aos seus. A minha filha irá conhecer a sua bisavó através da nobre história que ela
nos 'contou', conhece-la-à como sendo uma mulher diferente, uma guerreira até ao ultimo sopro,
uma artista que desenhou belos quadros a carvão, culta, independente, sensível e dedicada e uma
mãe extremosa para o seu filho e para os seus netos.
Foi à sua maneira, de um jeito peculiar, uma mãe generosa para mim e para o meu irmão. Lembro-
me de que era ela que me trazia os medicamentos à cama quando eu ardia em febres delirantes,
que raramente a vi comprar coisas para si mas enchia-nos de presentes: roupa, sapatos, livros,
comida...comprou-me a minha primeira guitarra e amplificador...tantas recordações, tantas
memórias, que saudades já tenho de ti minha avó!
Olho para o lado enquanto escrevo e vejo o futuro, uma pequena gordinha, a crescer dia após dia,
e agora sorri para mim...vislumbro por momentos imagens ultra rápidas, o paradoxo da vida, que
sejas feliz nesta tua viagem minha filha!
Passei o dia entre o velório e o estúdio a gravar guitarras para um tema para o próximo album de
Forgotten Suns, uma banda que ela viu nascer na casa da Av.de Roma e é provavelmente ainda o
meu maior “segredo” guardado para o mundo descobrir na sua plenitude. “O reconhecimento virá
com o tempo, talento não te falta, sais ao teu avô!”, como ela me dizia rematando com um largo
sorriso.
Nada como nos despedirmos de alguém que amamos com a consciência tranquila:
“Obrigado por tudo!”
Ricardo Falcão
“Obrigado por tudo”
O Universo desenha curiosos trajectos para as nossas vidas.
Sinuosos, coloridos, trágicos ou de ascenção...uma viagem com bilhete de ida assegurado e de destino incerto.
Incerto da nossa perspectiva humana, somos frágeis e inteligentes mas damos tiros nos pés com
muita facilidade. Constato que ainda somos demasiado dependentes de uma herança escrita
tendenciosamente manipuladora ou de histéricas ficções colectivas para regermos as nossas vidas,
fabulando sobre o que nos espera após o derradeiro passo: um perfeito Céu ou um escaldante
Inferno, ambos à nossa espera de acordo com os pecados ou boas acções que praticámos
diariamente. Ou então ainda, uma visão menos 'romântica' em que nada existe para além da matéria
e apenas nos desligamos como um botão on-off, sem consequência metafísica.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Eu prefiro acreditar numa Força Universal, uma Mãe Natureza que rege os nossos destinos com a
certeza de um imbatível jogador de xadrez, antecipando o xeque-mate em anos e anos de jogadas
perfeitas muito à frente do seu “adversário”: o Homem. Este vive apenas no presente somente
caminhando um passo de cada vez, apoiado na experiência do passado vivido e comprovado e com
a qual este Pai Criador se deleita na observação, já conhecendo de cor o misterioso resultado final.
No entanto, nem todos ignoram esta Força Universal...a vida é apenas uma passagem, quando
morremos fisicamente voltamos em espírito para essa Luz, esse é o Destino de todas as nossas
almas. Dificilmente me convencerão que não estamos aqui por um motivo, uma missão, uma
aprendizagem, um caminho que tem de ser experiênciado. Nobres aqueles que deixam uma história,
pobres aqueles que em nada acreditam.
Está em cada um nós uma centelha desse Universo magnânime, sermos capazes de o sentir,
compreender, aceitar e o interiorizar depende do estágio da evolução da nossa alma, do nosso
espiríto. Respeito todas a visões, todas as crenças, mesmo aquelas com pouco sentido. Respeito a
liberdade de cada um, é meio caminho para ser feliz comigo mesmo!
O Universo orienta-nos mas somos nós que fazemos a caminhada.
Como um pai assertivo, dá-nos “uma no cravo e outra na ferradura”. É a lei da vida.
Hoje escrevo curiosamente em português porque não estou a compor uma letra de música) inspirado
pela ironia dessa lei.
Num curto espaço de tempo, fui, e ainda estou a ser, confrontado pela dádiva e pela perda de entes
familiares queridos. Que não haja dúvida: tudo me remete para uma reflexão sobre a existência
humana, é praticamente impossível não dissertar, só se fosse uma máquina friamente programada
com todas as respostas, anti-pontos de interrogação.
Fui agraciado com uma bela menina: perfeita, 3,450kg, 48 cms no dia 15 de Outubro, como é
perfeita a balança da Natureza! Ser pai é algo que estou a começar a saborear, cada dia traz uma novidade bonita de viver e dá um sentido mais vincado a tudo o que já fazíamos e ainda queremos vir a concretizar. Torna-nos mais
objectivos, mais abertos às emoções, mais selectivos e menos supérfluos.
Fui, em modo contrário, surpreendido pelo desaparecimento natural da minha querida avó materna
a 12 de Novembro. Esperou, já fisicamente inconsciente, por todos nós para um ultimo adeus.
Deixou-nos às 04:10 da madrugada e dirigiu-se para o tal destino incerto.
Não existe antídoto para o sofrimento de perder alguém para o eterno sono.
Tamanha discrepância emocional faz-me pensar no sentido da vida, no sentido que damos às nossas
relações, no esforço, no empenho, na qualidade, no retorno que obtemos de tudo em que investimos,
no seu estilo e na sua forma.
A vida é curta, é um facto, mas pode ser recheada de ligações e curiosidades ou insipidamente
vazia.
O que fazemos dela é vital para sermos recordados pelos nossos que por cá ficarão para contar a
nossa história aos seus. A minha filha irá conhecer a sua bisavó através da nobre história que ela
nos 'contou', conhece-la-à como sendo uma mulher diferente, uma guerreira até ao ultimo sopro,
uma artista que desenhou belos quadros a carvão, culta, independente, sensível e dedicada e uma
mãe extremosa para o seu filho e para os seus netos.
Foi à sua maneira, de um jeito peculiar, uma mãe generosa para mim e para o meu irmão. Lembro-
me de que era ela que me trazia os medicamentos à cama quando eu ardia em febres delirantes,
que raramente a vi comprar coisas para si mas enchia-nos de presentes: roupa, sapatos, livros,
comida...comprou-me a minha primeira guitarra e amplificador...tantas recordações, tantas
memórias, que saudades já tenho de ti minha avó!
Olho para o lado enquanto escrevo e vejo o futuro, uma pequena gordinha, a crescer dia após dia,
e agora sorri para mim...vislumbro por momentos imagens ultra rápidas, o paradoxo da vida, que
sejas feliz nesta tua viagem minha filha!
Passei o dia entre o velório e o estúdio a gravar guitarras para um tema para o próximo album de
Forgotten Suns, uma banda que ela viu nascer na casa da Av.de Roma e é provavelmente ainda o
meu maior “segredo” guardado para o mundo descobrir na sua plenitude. “O reconhecimento virá
com o tempo, talento não te falta, sais ao teu avô!”, como ela me dizia rematando com um largo
sorriso.
Nada como nos despedirmos de alguém que amamos com a consciência tranquila:
“Obrigado por tudo!”
Ricardo Falcão
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