A união entre duas
pessoas é uma das coisas mais belas criadas no Universo. Mas uma reunião entre
duas pessoas pode tornar-se num infeliz evento, absolutamente diabólico, uma
verdadeira atividade paranormal, ou para anormais, visto que, nestas situações,
os protagonistas saiem das suas normais classes de conforto, e entram,
desvairados, em zona de confronto.
Esta pequena
viagem é, portanto, feita em classe turística. Sim, porque deveria estar
prevista no roteiro de qualquer turista que nos visite assistir, ao vivo, ao
desenrolar de uma reunião tipicamente portuguesa.
Então: temos duas
mulheres opostas em tudo, até mesmo nos lugares que escolhem para se sentar na
mesa. A mais velha (a chefe), já para lá dos 50, está com os olhos mergulhados no laptop, a verificar os resultados das vendas
desse dia. Do outro lado a mais novinha (a subordinada), nervosa, ansiosa, o
olhar fixado no infinito, a espremer borbulhas da cara.
-Isto assim não pode ser, Cristina!
(A chefe está em dia bravo.)
- Os projetos são teus. Tu é que tens de controlar o que
as pessoas dizem e fazem .Não sei se tens a noção da gravidade da situação: são
quebras de 10 por cento. Não pode ser. E a culpa é tua.
-Desculpa?
(A mais novinha, a Cristina, regressou, entretanto, ao
mundo finito.)
-Claro! A culpa é sempre minha. Os outros é que fazem a
porcaria, mas a Cristina é que paga tudo. Sim senhora, exemplar sentido de
justiça!
-Olha, eu se fosse a ti tinha muito cuidadinho com o que dizes!
Se não tens cabedal para este trabalho, o melhor é virares-te para outro lado.
-Mas, desculpa lá! Estás a criticar-me injustamente…
-Eu não estou a criticar-te. Estou a JULGAR-TE pela tua
inoperância e pela tua incompetência. Borrifaste-te, basicamente, para os
emails que mandei ontem à noite. Eu pedi-te para ires à loja e supervisionares
o que se estava a passar. Liguei-te e tu…nada!
-Susana?! Estava com o meu filho em casa, nem liguei o
computador, e tinha o telemóvel no silêncio?!
Não sou bruxa, mas já adivinhava que a tua simpatia dos últimos dias era
passageira.
-Não sejas songa! Ainda por cima gozas na minha
cara…Grande lata!
- …
A união une. A reunião deveria, supostamente, unir
novamente. Re- (Repetição) União (latim
unio, -onis. s. f. ato ou efeito de unir; Junção de duas coisas ou pessoas; conformidade
de esforços ou pensamentos; concórdia). Mas não- estas duas criaturas não estão
para aí viradas. Estas duas criaturas acabam de criar um novo termo
linguístico: a re-des-união; tiraram todo o sentido de unificação que o termo
REUNIÃO alberga.
-Tu estás a ser muito desleixada, incompetente e pouco
eficaz. Tu és a responsável por esta porcaria de resultados. Depois, disto, não
te venhas queixar das tuas comissões e de não receberes prémio. Tu não mereces…
-É assim, Susana. TU é que NÂO mereces que continue a
trabalhar nesta treta! Já era para falar contigo, mas aproveito este momento de
merda para te dizer, que, vou-me embora.
-O quê?
-Vou-me embora. Candidatei-me a um outro trabalho, e
aceitaram-me. Soube hoje a resposta. Vou-me embora!
-O quê? Candidataste-te a um outro trabalho e não me
disseste nada? Tu és uma falsa, tu és uma
egoísta. Realmente! Criticas tanto o cinismo nas pessoas, a falta de espírito
de equipa nesta casa, as mesquinhices, e afinal tu és igual! Não, pior. Tu és
pior, ainda mais mesquinha e dissimulada. E maquiavélica. Nunca pensei!
- …
-Vai! Vai, e que tudo de corra mal. Pelo pior. E digo-te:
aqui tens uma porta totalmente fechada. De mim não levas mais nada.
(A mais novinha contém-se . Contém-se para não desatar
num pranto de fraqueza e rebaixamento).
-Lamento que seja assim, Susana, e que penses tudo isso
de mim. Pena que só ao fim de três anos me atires tudo isso à cara. Mas,
também, nunca foste capaz de reconhecer o meu valor. Nunca. Por isso…
- Por isso nem preciso, sequer, que me dês uma semana . Vais
já daqui para fora.
Antes que a
subordinada pudesse contra responder, entra na sala um homem. Um homem, quarentão, no início dos quarenta, mas de
aspeto carregado, semblante de quem dedica a vida ao trabalho. É o diretor (não
o manda-chuva -isso é com o CEO. O tipo que está no céu, digamos assim). Este homem
é o Chief Channel Officer (para esta
circunstância exige-se um cargo com certa pompa) o que direciona e distribui a chuva, que o outro manda, pelo
respetivo departamento. E, normalmente, essa chuva repartida apresenta
diferentes graus de atuação sobre os funcionários de uma empresa.
-Grau 1: Chuva
miudinha- É a chamada chuva molha tolos, a que ensopa as tolas dos
funcionários, mas não chateia. Com esta chuva, trabalha-se num nível mínimo de
stress.
-Grau 2:
Aguaceiros- É um nível que já traz formigueiros no estômago. São nuvens
passageiras, mas todos querem fugir delas. Funcionários expostos a um nível de
ansiedade enorme; é a chamada tarefa para ontem. Exigente, cheio de pressão.
Mas passa!
-Grau 3:
Tempestade- Medo! Será que os funcionários aguentam mais pressão, e maior
carga laboral? Diria a doutrina Ulrich: ai aguentam, aguentam! Mas é o estado
que mais se aproxima da demência, da cegueira. Números, objetivos, resultados,
resultados, resultados. Horários, horários: toda a gente entra a horas, e
ninguém, mas ninguém, sai a horas, ouviram? E se for preciso virem trabalhar ao
fim de semana, vêm mesmo, estão a perceber? Números, números, números,
objetivos, resultados, resultados, resultados!
Canseira. Muita canseira!
Voltemos à reunião….
-Minhas senhoras, boa tarde!
-…
-Hello? Alguém na Terra?
-Olá, Pedro!
-Boa tarde, Pedro!-Bem, vocês estão com umas caras. Qué pasa?
-Nada, Pedro. Estava, aqui, a discutir com a Cristina os resultados da semana. Conversa normal!
-A verdade, Pedro…É que tenho uma coisa para te contar.
-Siiiiiiiimmm?-Estava, aqui, a comunicar à Susana que vou sair do departamento.
-A sério?
-A sério! Tive uma proposta, muito boa, de um outro
trabalho a que concorri.
-Na mesma área?
-Não. Totalmente diferente. E aceitei. Acho que é altura de mudar. Já são
muitos anos a trabalhar na mesma coisa. Preciso de respirar e inspirar outros ares.
(A chefe permanece em silêncio)
-Além disso tenho quase 40 anos. E chega a altura e a
empresa põe-me a um canto. Não quero isso. Quero sentir-me motivada, novamente.
-E há alguma coisa que eu possa fazer para que fiques?
-Não. Estou mesmo decidida, Pedro!
(A chefe ainda continua em silêncio)
-Bom, então se é assim: resta-me desejar-te as maiores felicidades. Tenho, mesmo, muita pena que vás. Foste (e és) das pessoas que eu mais gostei de trabalhar. Penso que criámos uma boa empatia.
-Pedro, é excelente ouvir essas palavras numa altura
destas. E agora que vais deixar de ser meu diretor, posso dizer-te isto sem
soar a graxa: adorei trabalhar contigo; adorei a forma como evoluí e cresci
profissionalmente.
(A chefe está quase a quebrar o silêncio)
-Pronto, Cristina. Então: tudo o que precisares, liga,
escreve, manda email. Tens aqui uma porta aberta. Sempre!
-Susana, calma…
-Calma o caralho que vos foda aos dois! Calma? Calma, uma merda! Cabra! Vens para
aqui com falinhas mansas com o Pedro…Comigo foi à grande: ao pontapé, toma lá,
vou-me embora. Caguei em ti! Agora, com ele….Ah, puta!
-Susana…
-Susana, nada! Susana, nada! Tu, meu panhonhas, achas
tudo muito normal. Ah, vais-te embora. Olha, paciência. Mas o que é isto? Que
merda de diretor és tu?
-Susana, porra! Não admito que me fales assim. Põe-te já daqui
para fora antes que eu me passe!
A discussão continua.
Bem sonora, e apimentada. A subordinada, a agora ex-subordinada, levanta-se de
mansinho e sai da sala, em passo de caranguejo, deixando uma chefe, uma agora
ex-chefe, completamente tresloucada, a gritar e praguejar até à demência, e um
diretor, o Chief Channel Officer, com vontade de bater na louca. E bate.
Cristina sai, sorrindo, e com vontade de rir. Triunfante. BEM 1 MAL 0.
RUI MIGUEL
MENDONÇA
Fantastico!!!!Parabens rui mendonça pela criatividade e por colocar um grupo de amigos a chorar a rir e a imaginar as nossas chefias a terem um "ataque desses". Continue a escrever, que com toda a certeza vamos estando atentos ás suas historias. Parabens pelo Blog! joão Fonseca e amigos!
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